segunda-feira, maio 21, 2012

Tudo acontece por uma boa razão

Eis uma história inspiradora:

Era uma vez um velho que vivia numa aldeia. Este velho tinha um filho que tinha partido para o estrangeiro à procura de uma melhor vida. Os seus vizinhos supunham que o velho ficaria triste com a partida do  filho, mas ele nunca expressava sentimentos de tristeza ou solidão relativamente a essa situação. 
Um belo dia, o filho do velho voltou a casa. Os aldeãos vieram cumprimentá-lo mas ficaram surpreendidos ao constatarem a ausência de emoção perante o acontecimento supostamente feliz. O velho não estava feliz nem infeliz, mas agradeceu-lhes o interesse demonstrado.
Alguns dias depois, o velho saiu para dar um passeio com o seu cavalo, e eis que os arreios se lhe escaparam da mão e o cavalo fugiu, Ao saberem do sucedido, os aldeãos vieram a sua casa para o confortar pela perda do seu belo cavalo. O velho agradeceu, mas uma vez mais não mostrou tristeza.
No dia seguinte, verificaram com surpresa que o cavalo voltara e que trouxera com ele duas magníficas éguas pretas. Desta vez, os aldeãos ainda ficaram mais chocados com a ausência de entusiasmo do velho quando foram ao seu encontro para felicitá-lo. Ele não parecia partilhar a euforia pela boa sorte com que fora abençoado.
Uma semana depois, quando o filho do velho estava a tentar domesticar uma das éguas, caiu, partiu uma perna. Quando os aldeãos foram visitar o rapaz, não conseguiram compreender a razão porque o velho não chorava pelo que sucedera ao filho.
Mais tarde, nesse mesmo dia, o exército local veio à aldeia recrutar todos os jovens saudáveis para uma batalha. Quando chegaram à casa do velho, decidiram não levar o seu filho, porque este tinha a perna partida. Quando os aldeãos vieram felicitar o velho, ele sorriu e , de uma forma singela, disse:
-Tudo o que acontece, acontece sempre por uma boa razão.

Como eu gostaria de moderar as minha emoções e viver com esta sabedoria e serenidade, mas acredito muito que esta é a verdade. 




Contando os dias

Para poder trazer o equipamento de acesso ao computador, por olhar para nossa casa. 
Por agora será ainda cedido pelo hospital até a escola atribuir-lhe um.
Ele já teve treino de acesso por olhar, anteriormente, mas era um outro sistema. 
O varrimento este ano ainda correu muito bem, pois os meninos ainda eram lentos e o JP não se atrasava em relação a eles.
Mas eu acho que sou eu e a professora do ensino especial quem mais precisa da formação e do treino. 
As sessões estão a correr muito bem com o JP. Não vejo que ele necessite de aprender e treinar nada, em especial dado que já no primeiro dia ele fez logo o que pretendia.
O que ele mais gosta de fazer é chegar lá e cuscar no computador, abrindo e fechando janelas, vendo o conteúdo das pastas, acedendo à internet, etc. E tem-se divertido bastante.
Vai ser muito positivo para todos nós.

Estava longe de imaginar

Que no dia que colocava um post sobre conversas, teria de ter uma das mais sérias conversas com o JP, da sua curta vida.
A sua bisavó paterna, com 93 ou 94 anos,  estava gravemente doente, há algum tempo. Ela vivia perto da Serra da Estrela e estivemos, a última vez , com ela há cerca de 1 ano. O JP era muito afeiçoado aquela velhinha. E ela a ele. Quando ia visitá-la, só podia ser ela a dar-lhe colo e comida porque ele não queria mais ninguém.

Soubemos nessa mesma tarde que tinha falecido. Fiquei logo preocupada com a reação do JP.
Mas sabia que não poderia esconder.
Assim que o pai chegou a casa, explicámos-lhe que o papá teria de fazer uma viagem grande, naquele mesmo dia. O JP perguntou se ele ia trabalhar. Dissemos-lhe que não. Teria de ir à terra, despedir-se da avozinha que tinha ido para o céu, para perto do avô. Ela agora estava feliz perto dele, mas nós teremos muitas saudades e é a nós que custa.

O JP chorou muito sentido, muito alto, os berros dele trespassaram o nosso, já ferido,  coração…
Demos-lhe muita oportunidade de conversar. Depois do choro inicial, quis logo dizer, que também queria ir com o pai...queria ver - quero ver, quero ver, quero ver (era só o que dizia)  a bisavó.
Dissemos-lhe que não achávamos que fosse altura, nem lugar para uma criança. Ficaria com a mamã e o Rafael, em casa, e num instante o papá juntar-se-ia a nós. Aceitou com dificuldade. Mas antes do deitar já o notava um pouco mais animado. No dia seguinte não achei que devesse ir à escola. Ficámos todos juntos a brincar. Entretanto passou a lembrar-se muito dela. Diz que está no céu a olhar por nós. E está mesmo.


É pena

às vezes verificar que as pessoas se levam muito a sério, remoendo situações, ficando cheias de sentimentos negativos que transmitem para todos e até para os filhos.

Tento sempre que o JP não seja assim e que o Rafael também não. Nós não damos demasiada importância ao que realmente não tem.
Perdoamos e tentamos não nos encher de quaisquer sentimentos de ofensa. Quem nos aprecia, quem nos quer, realmente aparece, liga, mima e está para nós. Se não quer, também não faz mal. 
Nós nem levamos a mal. Preferimos estar com quem quer. 
Preferimos conviver com pessoas de bom e grande coração. Corações cheio de amor, de entendimento, de perdão.

Há mal entendidos que podem ser tão penosos para nós se os alimentarmos.
Alguém amigo passa por algo assim. Às vezes não conseguimos evitar os mal-entendidos, apenas a forma como reagimos a eles…

Nunca vou esquecer  quando escrevi más coisas neste blogue sobre um pequeno incidente na festa do colégio do JP que há muito apaguei.  Magoou-me, porque estava vulnerável e a seguir eu magoei quem eu gostava e tanto gostava  e acarinhava o JP. Cheguei a pensar mudar de escola, no calor da situação. Depois percebi que tinha sido um tremendo mal-entendido. Na altura pedi desculpa, temendo nunca ser desculpada. Mas sei que fui. A pessoa também me pediu desculpa, mas nunca tinha havido má intenção. Apenas algo normal. E hoje ainda somos grandes amigas…
E estou contente por terem tido esse grande coração. 
Foi o colégio que ajudou o JP a ir a Cuba nas 2 vezes. Sempre tiveram os braços estendidos para nós e lá deixámos muitos amigos. Porque ambas as partes esqueceram os erros e mal entendidos e seguimos em frente, construindo uma relação tão rica. O que tinha perdido se tivesse sido diferente. Como estou contente de ter sido assim. 
Espero conseguir fazer que o JP seja uma pessoa de coração limpo de rancores que não se leve demasiado a sério.

quinta-feira, maio 17, 2012

Conversas

Rafael com 8 meses…
Pouco depois de me saber grávida do Rafael, senti necessidade de falar e explicar-lhe o mundo para onde ele vinha. Ninguém sabe se os fetos ouvem tão cedo e, muito menos, se percebem, mas, instintivamente, eu gostava de o fazer. Às vezes, sozinha, em casa, falava-lhe dos meus sentimentos. Falava do pai, do mano, de mim…
Quando precisava de descansar, dizia "precisamos de descansar". Outras vezes, absorvida pelas rotinas do mano, até me esquecia da gravidez. E abusava um bocadinho…
Por isso, quando podia, dava-lhe a máxima atenção e mimava-o com descanso, tranquilidade e sensações boas.
O JP todas as noites enroscava-se na minha barriga e conversava muito para ele. Vejo agora que se criou um elo especial entre os dois.
Quando o Rafael nasceu, e logo depois daquele choro delicioso que qualquer pai e mãe deseja ouvir, calou-se ao ouvir a minha voz. E eu falava só para o ver tranquilo.
Quando o JP fala com ele, todo o Rafael é gargalhadas.

Tem sido um bebé fantástico, como nunca esperei. Se se exalta, para o acalmar, só preciso de conversar e explicar-lhe o que se passa. Ele não entende, claro, mas de alguma forma, percebe. Percebe, sim.
Encaixou-se lindamente na nossa rotina. Tornou-a mais bonita e colorida. E ele parece adorar este mundo. 

Acho que pelo menos, ele já sabia o que ia encontrar…

As conversas com o JP são igualmente estimulantes. Aproveito por vezes as notícias para lhe chamar a atenção e refletir e ele dá imensa atenção e desenvolve conversa. 
Por vezes até me esqueço que, apesar das suas limitações comunicativas, ele transmite tudo e depressa.
Esta semana deu as notícias à professora ainda antes de eu ter tempo para o fazer. Disse-lhes que ia passar a faltar uma manhã por semana à escola, para ir fazer treino do acesso  ao computador por olhar. 
Eu ainda ia saber a opinião delas…
Mas ele não perdeu tempo.


Para o ano, prevejo um ano letivo, como ambicionei. Em breve teremos o computador em nossa casa. Ele acede com o olhar e será muito mais rápido nas tarefas da escola e nas conversas…
Não é o modo de comunicar que sonhei, mas comunica e diz-nos coisas lindas. 



quarta-feira, maio 02, 2012

O Blogue

Não me lembro de outro ano tão intenso na blogosfera como 2005/2006. Os blogues eram ainda um pouco novidade. E andava toda a gente a aderir.
Eu lia alguns babyblogues. E o JP entretanto nasceu. 
Os primeiros meses foram muito absorventes. Um ano depois, numa busca acerca de tratamentos nos estados unidos (therasuit), conheci uma amiga, pela internet, cujo filho tinha, também, paralisia cerebral. Foi a primeira pessoa com quem falei, na minha situação e foi fantástico perceber que falávamos a mesma linguagem. 
Ela tinha um blogue onde postava os bolos que vendia e, para eu comentar, precisei de aderir ao Blogger.
Foi em Março de 2006. Incrivelmente, já fez 6 anos.
Quando contei ao meu marido (já blogger há 2 anos), ele disse-me para começar a escrever sobre a minha experiência com o JP, já que me queixava que os blogues eram todos cor-de-rosa. Fiquei a pensar que ele tinha razão. Mas se havia pessoas que sabiam dar força e carinho, também havia quem me conseguisse irritar. Era frequente ver comentários sobre o meu blogue do género " fiquei com tanta pena e tão chocada que nem consigo comentar" ou "ainda bem que não foi a mim que me aconteceu isto". Não é simpático, mas como em tudo, absorvi a força positiva e mandei a negativa para trás das costas. Cheguei a ter 300 visitas por dia e mais de 30 comentários por post. E através desses comentários conheci outros blogues do mesmo género que, avidamente, busquei.
Semana, após semana, comecei a receber mails de mães como eu. Com muitas fiz alguma espécie de amizade. Com outras fiz amizades, mesmo fortes, que duram até hoje. E algumas das mães nem sequer eram "especiais". 
E percebi que, de alguma maneira, dava-lhes alguma força ou sensação de não estarem sós. E isso dava-me motivação para escrever. 
Aos poucos iniciaram também blogues (ou retomavam-nos) e contavam também a sua experiência e percebi que, não só tinham imensa força (bem mais do que eu), como também inspiravam-me. Os heróis eram os seus filhos que, facilmente, encantavam-me. 
Não estava, definitivamente, sozinha. Num instante, já nem sequer era das poucas bloggers diferentes. Era só mais uma. E essa foi uma das melhores sensações que tive. 
A blogosfera ficou mais rica de experiências. De pais e mães que mostram as forças e fraquezas. Gente que ensina-nos, partilha e  mostra-nos que o mundo real é bem mais interessante e menos fútil.

6 anos depois, sei que a maioria das pessoas que me vêm ler, conhece ou conheceu o JP e quer saber como estão as coisas. Algumas poderão estar, diretamente, implicadas nas minhas histórias e receio sempre a confusão das palavras…
Um dia percebi que quando contava todas as terapias que fazia com o JP, dava a sensação aos pais de que ele faziam pouco  com os deles (muitas vezes por falta de recursos económicos) e também acabei por me retrair. 
Ultimamente penso muito no dia em que o JP (que já pesquisa na net), venha a ler estas palavras. E dou por mim a ponderar o que escrevo.
Não sei qual o futuro deste espaço. Como sempre, continuo a viver um dia de cada vez. 
Mas gosto muito de ir registando, aqui, alguns dos meus pensamentos. De mostrar o nosso caminho.
Não é definitivamente um caminho tranquilo. Tudo seria muito mais fácil se fosse tudo normal.
Mas não foi e ainda tenho dias em que me doí tudo cá por dentro…

Este blogue é sobre uma família, muito amor,  as suas dificuldades, alegrias, revoltas e vitórias  e sobre o nosso caminho. À nossa caminhada juntaram-se imensas pessoas que trazemos no nosso coração.