segunda-feira, agosto 29, 2022

Mais crónicas das nossas férias

Das muitas e preciosas conversas que tive com o JP  durante as férias, as mais marcantes foram também as mais delicadas. 

As perguntas foram incisivas. 

Como foi a nossa reação ao saber que ele tinha paralisia cerebral ? O que esperávamos dele ? Gostaríamos que tivesse sido diferente ? O que seria do futuro dele ? 

No início, quando era bebé, sem dúvida, que queria algo diferente para a vida dele. Não queria que tivesse limitações. 

Lutámos muito, em termos de fisioterapia e não só, para que pudesse evoluir da melhor maneira a nível físico e também intelectual. 

O percurso pessoal de uma pessoa com deficiência não é um mar de rosas e é tudo menos fácil. 

Que pais querem uma vida mais complicada para o seu filho ? E foi mesmo essa a principal razão que me fazia querer mudar o rumo dos acontecimentos. 

Medo que no futuro ele sofresse pela sua condição. 

Foi a reação do meu nível de consciência daquela altura. Medo. E o medo, fez-me lutar muito. 

Com o passar do tempo, comecei a entender que tudo na nossa vida tem um propósito e uma razão de ser. E a aceitação começou a tomar lugar. Com essa tomada de consciência, fiquei com uma tão gigante paz no meu coração que já muito menos coisas, me metem medo. 

E é tão libertadora, essa sensação ! Conseguir agradecer ao universo, todo este percurso de vida , em vez de estar zangada. 

Haja saúde. Com saúde fazemos a prosperidade que nos ajuda a ultrapassar alguns obstáculos. 

Agora, há que ensinar, também, o meu amor maior a aceitar-se também e a descobrir que a sua existência é preciosa. Uma existência de AMOR.

Confiar em si, confiar no universo e nos seus caminhos cheios de ensinamentos e bondade e não ter medo. 

Quem sabe descobrir o seu sentido de missão terrena, aquilo que o fará  acordar entusiasmado todos os dias ? 

E como tantos outros de nós, fazer um percurso  de todos os dias tornar-se a sua melhor versão ? 


Aquilo que lhe mostro e que realmente sinto é que estou serena em relação ao caminho dele. 

A partir do momento em que ele encontrar a paz e aceitar-se, sinto que ninguém o parará. Descobrirá que não veio ao mundo nesta condição por acaso e que o seu papel se não for importante para mais ninguém, já o é para a nossa família.



sexta-feira, agosto 26, 2022

Crónicas das férias ( continuação )

OS PASMADOS

Continuo a achar que parece que neste país se veem poucos cidadãos com deficiência nos sítios públicos. Como se uma qualquer vida normal fosse interdita a algumas pessoas e ficassem na sua toca. Será só impressão minha ? 

Daí a curiosidade de muitas pessoas quando nos veem em família, bem dispostos, agindo com naturalidade e fazendo com o JP tudo o que uma família normal faz, dentro de alguns limites, claro. 

Praia , piscina , restaurantes , passeios … 

Mas, dentro destes observadores, há vários graus distintos. E existe uma espécie à qual chamamos “ os pasmados “ .

São os que olham fixamente para nós, sem prestar atenção a mais qualquer outro acontecimento à sua volta. E cujos olhares se tornam incomodativos. 

O JP, parece ser de todos o que menos se incomoda. Desde pequeno e 24 h /24 h .. faz parte do dia a dia dele. 

O mano Rafael começa agora a ficar bastante incomodado e, às vezes, irritado com estas pessoas. Eu explico que a curiosidade é normal e que tem de se ter alguma tolerância. 


Mas, lá está… há limites. E tem vezes que tenho de lhe dar razão. 


Como sempre, tudo é razão para nos divertirmos e já temos as nossas “ piadas privadas “. O primeiro da família  a avistar  um destes espécimes observadores em demasia, diz : 

“ Atenção , atenção !!! Mais um episódio da galardoada série “ os pasmados “ . 

E risota geral. 


Mas lá está. Ser constantemente observado tira a nossa espontaneidade. Já dizia uma qualquer celebridade, que não olhassem o tempo inteiro ou tirassem fotos à socapa quando ele estivesse com a família,  porque todos perdiam a espontaneidade e não se conseguiam divertir e descontrair da mesma forma. Ou seja, há um limite saudável para as curiosidades. 

Até porque se eu até tolero, já me chateia ver o mano incomodado com as pessoas a olhar dessa forma para o irmão. 

Quando está a ser exagerado, eu entro em campo e olho, da mesma forma … ou seja , fixamente nos olhos das pessoas em questão. 

E aí , tenho sempre 2 reações possíveis. 


- a pessoa sorri e por vezes até inicia uma conversa e explica o porquê de estar a olhar. Não tem mal nenhum e chega a ser agradável.

Não é incomum conhecermos pessoas muito comunicativas e afáveis nestas situações, 


- mas 95 % das pessoas, desvia o olhar, incomodada com o meu . Depois, porque a curiosidade é mesmo doentia, voltam a olhar e tento, tanto quanto possível, que voltem a cruzar o seu olhar com o meu 😜. 

Como este olhar fixo as incomoda, percebem o recado. 


Dentro do último grupo, ainda há os que “ nem assim”. 

Não acreditam ? Mas acontece !!!


Então , o meu marido aproxima-se e chega a dizer “ A partir de agora vou passar a cobrar bilhete”.  🤣🤣🤣

Remédio Santo !!!


E pronto, a série já tem quase 17 anos, continua firme , sempre com muitas e novas temporadas cheias de imaginação .


Há uma curiosidade saudável em tudo. Eu própria já o fiz. Mas sempre dei uma palavra. 

O porquê de olhar. 


E para terminar em beleza, dizer que também já conhecemos pessoas muito queridas entre os curiosos, que muitas vezes só querem oferecer ajuda. E está tudo bem. Gratidão por isso 🙏


Está tudo bem em olhar dentro dos limites razoáveis. Adoramos sensibilizar. 

Amamos fazer tudo o que uma família faz e até que algumas pessoas percebam as nossas dificuldades. 

Porque é aí que entra a sensibilização e fazemos a diferença.



quarta-feira, agosto 24, 2022

As nossas férias e a gestão de expectativas

Parte 1 

A parte mais complicada da adolescência do JP é sem dúvida lidar com a sua gestão de expetativas e fazê-lo entender o quanto grato pode ser por tudo o que tem, pela sua saúde, pela nossa, por não ter dores, pela família, pelas condições. 

Olhar para o bom e não valorizar o que tem de menos bom. 

Tenho a noção que a maioria dos adultos não têm maturidade para identificar estas bênçãos, nas suas vidas (nem mesmo eu própria em grande parte dos dias)  e pedir isso a um adolescente requer perseverança e muita comunicação.

Estas férias foram muito ricas em diálogo. 

Antes das férias tivemos de adquirir mais um aparelho de comunicação pelo olhar ( tobbi ) e esta nova versão é extremamente flexível. 

O anterior avariou logo após acabar a garantia. Se tivemos uma despesa inesperada, rapidamente percebemos que nem todo o acontecimento negativo é mau numa visão global. Agora quando olhamos para trás, até agradecemos a avaria 😜

A agradável surpresa é que finalmente já não  requer calibração e chega a captar a sua íris quase a 1 metro e meio de distância e em condições adversas de luminosidade. 

Pela primeira vez pudemos conversar na cama, praticamente na escuridão, os dois de forma mais fluida. E como valem ouro estes momentos, quando nunca os tivemos. 

E como precisamos deles… o diálogo e o amor são os ingredientes que não podem faltar no dia a dia dos meus meninos. 

 Há 15 anos isto parecia ficção científica. 

Mesmo há 10 parecia impossível de atingir este grau de sofisticação. 

Estes aparelhos eram enormes, pesados, não eram sequer portáteis, operando em condições muito específicas e rígidas e a custar na ordem dos 20.000€. 

Hoje, comparticipado, fica pelos 700€. 

E por tudo isto, há que acreditar que o futuro é sorridente.  ( continua )