domingo, outubro 25, 2015

Ainda sobre partilha da nossa experiência

Não faltará muito para este blogue fazer 10 anos.
Quando o iniciei só havia baby blogs, cor de rosa ou azuis, mas sempre de bebés perfeitos. Senti-me muito um peixinho fora da água.
Foi preciso uma certa dose de coragem para me expor. Alguns desabafos, sempre alternando o otimismo com os dias menos bons. Como o era na verdade.
Um boa dose de instabilidade como é tão típico nas mães especiais. Somos aquelas que precisam, também de colo, por muito tempo ou mesmo para sempre.
Na vida profissional precisei de continuar a ser forte, dura e muito dedicada, enquanto desdobrava-me em investigações sobre este novo tema na minha vida, paralisia, um bebé na família com toda a novidade que isso acarreta, educação e correrias de terapias em terapias.
Muitas vezes ler aqui aqueles comentários da pena, não ajudavam.

No fundo quis muito que entendessem que nós temos um lugar. As mães dos meninos com deficiência também podem ser felizes. Felizmente, hoje já não há grande pudor em partilhar estas experiências.
Os deficientes têm um lugar na sociedade.
Agora até temos um deputado na assembleia da república para lembrar, a esta sociedade, que os deficientes existem e têm direitos.


E os deficientes gostam de fazer basicamente o que todos os outros fazem: ir ver futebol, aprender, ir ao parque, ir passear, almoçar fora, fazer compras e até namorar, sem que essas experiências tenham de ser frustrantes e terminem de forma desagradável, porque a "maioria normal e perfeita"  nem se lembrou que os deficientes existem.



Eu nasci perfeita e nunca fui grata suficiente por esse facto. Mesmo sabendo que a minha mãe, quando engravidou, tomava medicamentos fortes que me poderiam ter causado más-formações. 
Ela arriscou e eu cheguei assim...sem nada para me queixar, relativamente ao meu corpo.

Custa-me não ter um filho com as mesmas oportunidades de todos os outros.
A oportunidade que eu própria tive.
Dói muito pensar que ele venha a sofrer. 
No entanto, ao longo destes 10 anos, percebi que ele tem muitas coisas a seu favor. 
É inteligente emocionalmente e estabelece relações fortes e de grande proximidade com os pares e adultos.

Vamos ver, o seu pequenino mano, apenas com 3 anos e meio, também tem os seus sofrimentos. 
Só que este sofre para dentro. 
E começou mais cedo que o JP. E, por vezes, preocupo-me bastante com isso.
Mas o sofrimento faz mesmo parte da vida. Das crianças, dos adultos. 
Intercalamos, felizmente, com bons e memoráveis momentos maravilhosos que tentamos que sejam muitos. 

Na escola do JP, as coisas estão a correr mais ou menos bem. Ainda nos estamos a ajustar, mas vejo todos colaborantes. Tem auxiliar para ele, dedicada,  os professores empenhados. 
Ele tem tido entusiasmo, disciplina e tem andado animado. 
Também gosta de esticar a corda e tentar quebrar algumas regras. Acho que faz parte da idade.

O blogue devia ser agora para registar tantas coisinhas fofinhas que o Rafa tem, mas o tempo nem sobra para nada. O pequenino reclama por doses maciças de atenção.
Entre trabalho, supervisão dos TPCs do JP e tudo o que uma vida família acarreta, chego à noite K.O.

Mas há coisas verdadeiramente deliciosas.
Acho delicioso o Rafa pedir para pôr o Kung-fu Panda e chamar-lhe "panda tau-tau"...
Acho delicioso tanta e tanta coisa que irei certamente esquecer. Apetece filmar tudo, pôr um "pause"...passa rápido demais.

Não sei se os melhores anos estarão para vir, mas estes apesar de difíceis, são muito especiais. 
Tenho meninos maravilhosos e adoráveis. 
Estou grata. Apesar de tudo.


3 comentários:

ines disse...

Querida Grilinha, muito obrigada pela sua partilha ao longo destes 10 anos...que me ajudaram a compreender como é estar "do outro lado", os pais dos meninos com quem trabalho. O diferente e o igual, o bom e o mau!Apesar do cansaço!

Um abraço a todos da vossa familia

Unknown disse...

Grilinha não se esqueça da correcção, para ir ´pegando`social e culturalmente... são muitos anos de luta e tudo quase na mesma...satura....

CRIANÇA com deficiência... (handicap)...
ADULTO com deficiência(s)
CIDADÃO com deficiência...

POIS É, POIS É....

À(s) CRIANÇA(s) QUE NASCE(m) DIFERENTE(s)

I
De ti o espanto das trágicas origens...
e nas verídicas certezas,
o peso dos Olhares,
a crueza dos Gestos,
o limite das Palavras...

No labiríntico deslizar dos teus Dias,
Altos muros erguidos
em Medos disfarçados e
Silêncios tantos...
e Vozes mal contidas...

II
Mas...
Raíz, Pétala, Haste em movimento és
E tronco te queres Erguer:
Amas em frenesim a Terra, a Seiva, a Luz..

Deslizas em quimeras repetidas: Cascatas de Alegria...
Irrompes em risos, gargalhadas: Vives em Força a Vida !
Reclamas o espaço à exuberância do teu Corpo,
Ao materializar da tua Voz, ao sentido da tua Palavra...

III
E o Sonho vives!...
e na permissão do Sonho:
a emergência do HOMEM que desejas SER,
e da ESPERANÇA de Sê-lo. ( Nov. 88)

Mina disse...

Parabéns!
Não só pelos 10 anos de partilha tão intima, que faz com que nos conhecamos, sem nunca nos ter-mos encontrado (fisicamente) , as palavras aproximaram-nos...
Tenho aprendido muito contigo e a ver a PC naturalmente com a formula do amor.
Não sabemos tão bem o que não vivemos, mas aprendemos com exemplos, e és sem dúvida um bom exemplo.
E venham mais 10 anos desta familiaridade
Beijinhos